Existem filmes que são definidos por seu roteiro, outros por sua direção, e há aqueles que se tornam um testamento ao poder avassalador de uma única performance. “A Noite Sempre Chega”, o novo e atmosférico thriller de Benjamin Caron para a Netflix, pertence a esta última categoria. É um veículo para uma atuação transcendental de Vanessa Kirby, que entrega um de seus trabalhos mais potentes em um filme que, infelizmente, não consegue acompanhar a complexidade de seu talento.
Uma Odisseia Noturna pela Alma
A premissa é um clássico e eficaz motor de suspense: em uma corrida desesperada contra o relógio, Lynette (Kirby) precisa levantar 25 mil dólares em uma única noite para não perder a casa onde vive com sua mãe (a sempre ótima Jennifer Jason Leigh) e seu irmão com síndrome de Down (o excelente Zack Gottsagen). Essa busca a arrasta para o submundo de uma cidade anônima, forçando-a a revisitar fantasmas e contatos de um passado que ela lutou arduamente para deixar para trás. A jornada, portanto, torna-se menos sobre o dinheiro e mais sobre uma dolorosa expiação de pecados.
O diretor Benjamin Caron entende que seu maior trunfo é Kirby, e a câmera raramente a abandona. Apoiado pela fotografia elegante e melancólica de Damián García — que evoca a beleza noturna de filmes como Colateral de Michael Mann —, Caron constrói um estudo de personagem claustrofóbico e tenso. Cada olhar de Kirby transmite anos de dor, fúria e resiliência, e o filme é imensamente mais forte quando confia em seu silêncio e na expressividade de sua atriz.

A Promessa Quebrada do Roteiro
É no roteiro, no entanto, que o filme tropeça e revela suas maiores fraquezas. “A Noite Sempre Chega” abre com uma forte e promissora crítica ao sistema econômico que esmaga os mais pobres, prometendo uma análise social contundente. Contudo, essa promessa é gradualmente abandonada em favor de uma narrativa mais convencional e segura, focada exclusivamente nos erros e na culpa pessoal de Lynette. O “sistema” é absolvido de forma conveniente, e a responsabilidade recai sobre o indivíduo, uma escolha que esvazia o filme de seu potencial mais provocador.
Além dessa incongruência temática, o roteiro recorre a clichês problemáticos, como o uso de um personagem negro como o único portal para o submundo do crime, e simbolismos óbvios, como tatuagens que “surgem” para sinalizar o passado sombrio da protagonista.
Conclusão
“A Noite Sempre Chega” é uma experiência frustrante, mas, em última análise, recompensadora. Frustrante por seu roteiro hesitante e escolhas questionáveis, mas recompensadora pela força da natureza que é a atuação de Vanessa Kirby, por um final corajoso que desafia as convenções do gênero, e por uma execução técnica impecável. É um filme que merece ser visto pela jornada de sua protagonista, mesmo que a estrada seja cheia de tropeços e desvios.